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sábado, 10 de setembro de 2011

Dirk - 70

Entrevista com Dirk Dagobert van Riemsdijk

Artista dos melhores jogos de peças de xadrez, Amazonas e Bragança (página na internet, com as fotos: http://www.xadreztotal.com.br/dirk/) ; detentor do antigo título de Mestre Nacional, jogador fortíssimo de estilo agressivo, professor, criador da revista “Jogo Aberto”, vendedor de materiais de xadrez no espaço Tabuleiro Cultural e primeiro professor do Pelé desse esporte no Brasil, Henrique Mecking, o Mequinho.

Essa é a extensa contribuição ao xadrez brasileiro do holandês que escolheu como pátria o Brasil, Dirk Dagobert van Riemsdijk, que completa 70 anos de idade, com boa saúde mental e física.

É com prazer que apresentamos essa entrevista concedida pouco antes da conquista do torneio Aberto Cidade de Mogi das Cruzes – 451 anos, com vitória inclusive o respeitado MF Rodrigo Akira Terao:


Xadrez Guarulhense - Conte sobre sua trajetória, da Holanda, a vinda ao Brasil, até hoje.


Dirk Dagobert van Riemsdijk– Até 1957 estava na Holanda, cheguei ao Brasil em 1958. Encontramos (Dirk e sua família) no Sul, em Pelotas-RS, um ambiente enxadrístico muito forte. E lá comecei, tive tempo para estudar xadrez. Havia um campeão pelotense, chamado Carlos Peixoto, na época, vice-campeão brasileiro. Nessa época, fui campeão pelotense.


XG - Com quem aprendeu a jogar xadrez?


DDR – Aprendi com o meu pai, aos 6 anos.


XG – E o aprendizado para chegar ao nível de Mestre?


DDR – Na verdade, fui muito autodidata. Sempre fui o melhor tabuleiro da minha escola no secundário. Na Holanda havia um campeonato inter escolas muito forte, muito organizado. E aí comecei a jogar os torneios nos finais de semana na Holanda, torneios rápidos, ganhei vários, até que nossa família veio ao Brasil. Fui campeão carioca. Carlos Peixoto era vice-campeão brasileiro e campeão lá. Ninguém conseguia destronar ele, um estudioso, um professor universitário, que tinha tempo e que tinha muita literatura, muita influencia da Argentina. E aí eu desenvolvi o meu xadrez, até o Mequinho aparecer, nos anos 60. No campeonato gaúcho, o primeiro foi o Mequinho, segundo Dirk e terceiro Carlos Peixoto. Todos de Pelotas, mas você não pode jogar o Brasileiro por não ser naturalizado.


XG – Você foi o primeiro professor de xadrez do Mequinho. E quem descobriu o Mequinho?


DDR – Mena Barreto. Ele gostava muito de jogar relâmpago, era um jogador prático. Ainda existe um Mena Barreto lá, acho que o sobrinho. Nessa fase, eu e o Mequinho treinamos. Daí eu parei com o xadrez e ele foi embora. Foi campeão brasileiro, sulamericano, campeão de tudo.


XG – Essa foto que vejo é do Mequinho em uma simultânea, com 7 anos de idade. Foi nessa época que começou a treiná-lo?


DDR – Não, foi depois ainda. Comecei a treiná-lo com 8 anos até os 10 ou 11.


XG – Como era o Mequinho como aluno? E a característica principal dele, já visível nessa época?


DDR – No início ele jogava tudo muito rápido, muito intuitivo. Ele tinha uma visão de jogo natural. Depois ele se assustava consigo mesmo da qualidade que ele tinha. Porque nós estudávamos, ele não tinha muitos livros, nós tínhamos uns 80, 100 livros. Aí a gente ia olhar as revistas soviéticas e ele jogava tudo certinho, de acordo como estava lá. E aí foi, em seguida ele explodiu.

A principal característica dele era o equilíbrio. Não era jogador de arriscar. Jogador muito controlado, muito certinho, muito equilibrado. Muito forte. No primeiro campeonato brasileiro dele, disputado aqui em São Paulo, os bons daquela época não acreditavam nele. Ele ganhou dos bons da época: Helder Câmara, Pinto Paiva... ele passou por cima de todo mundo. Em seguida ele classificou para o Sulamericano, aí vieram os bons, na época eram os argentinos: Eliskasses, Najdorf... e quando eles viram, Mequinho já tinha passado por tudo mundo (risos).


XG – Sobre uma lenda, talvez já antiga, sobre o livro mais conhecido no Brasil para ensino de xadrez no Brasil, o “Xadrez Básico”, do Orpheu D'Agostini. É verdade que houve a venda dos “tipos” (a matriz de placas de chumbo usadas para impressão)?

DDR – Os livros naquela época eram gravados em chumbo. E o “Xadrez Básico” é um calhamaço beeem grande. A lenda diz que o autor, D'Agostini, nunca ganhou dinheiro com o livro vendido pelas editoras, mas o chumbo estava jogado no fundo do quintal. Aí um dia a família ficou aborrecida com aquele chumbo no fundo do quintal e aí foram vender o chumbo. Com a quantidade de chumbo que era usado para fazer o livro, dava para comprar uma casa na praia! - (risos). É uma brincadeira que me passaram, me contaram.


XG – Qual é um aspecto importe do xadrez para a vida?


DDR – O xadrez tem que ser múltiplo, tem que ser uma coisa para fazer a gente pensar. O grande valor do xadrez é acostumar a pensar. E tem muitos jogadores que depois que se aposentam, dizem que foi muito importante aprender a jogar xadrez, reconhecem que o xadrez foi muito útil no desenvolvimento da carreira profissional das pessoas. Depois que aposentam, voltam a jogar xadrez.


XG – Qual o seu grande ídolo no xadrez?


DDR – Meu ídolo não é Fischer, é Tal. Por arriscar, pois arriscando você aprende mais alguma coisa. Agora, se você se segura, se recrimina, “é perigoso, não sei o quê!”. Acho que a finalidade não é bem essa. Mas... cada um tem uma visão.


XG – Então, uma parte lúdica seria tentar o ataque, a criatividade?


DDR – E arriscar, para ver como é que fica. Mas isso pode prejudicar os resultados. É importante resultado? Depende até que ponto é importante. O xadrez também tem beleza, a coisa ficou mecânica, principalmente depois que os computadores cresceram na influencia no jogo.


XG – Qual foi o melhor jogo que já disputou?


DDR – Minha vitória com Najdorf (um dos melhores do mundo no pós Segunda Guerra Mundial), pode ser uma. Mas fiquei muito honrado com o meu empate de pretas com Smyslov (ex-campeão mundial, falecido recentemente) e uma partida com sacrifício de dama que fiz recentemente.


XG – E qual foi a que lhe deu maior prazer?


DDR - Na partida com Smyslov. Foi ele que ofereceu empate! - risos.


XG – Agora, em setembro, você completa 70 anos de vida. Qual o segredo para manter a boa forma física e enxadrística?


DDR – Manter o equilíbrio. Não se jogar só na parte mental e descuidar da física. É a filosofia que tenho. Eu sempre fiz muita força, trabalhei muito com madeira, serraria. Carregar madeira. Manter o equilíbrio entre o mental e o intelectual.


XG – Qual o conselho que você daria a nossa nova geração de enxadristas?


DDR – Eu aconselho o seguinte: gostar do jogo, ver a beleza do jogo e não exclusivamente nos resultados, pensar que o mais importante é o resultado. Hoje tudo é visão voltado para “rating”, “rating”, “rating”... O que acontece? Aqueles que só jogam para conseguir “rating”, um dia o “rating” acaba, vem uma nova geração e aí fica no vazio. O xadrez não é suficientemente apreciado para continuar. A tendência desse pessoal que não consegue rating como se imagina que deveria ter é sumir. Somem, param. Vão para o poker, vão para outras coisas. Por isso acho muito importante a beleza. Mesmo os nossos melhores jogadores: eles se preocupam com rating e deixam de jogar os campeonatos porque não querem perder rating. Só um pode ser campeão.

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